Pela primeira vez, ouvi gritos
entusiasmados de "torcida" ecoando dos apartamentos ao meu redor não
relacionados a um jogo. Evidentemente, foi a reação a uma das cenas "mais
esperadas" da história da comunicação de massas no Brasil: o dia em que a Rede Globo se rendeu à realidade e decidiu colocar
em cena um (singelo e pudico, vale lembrar) beijo gay em seu horário nobre.
Que a Globo tenha
se movido pela mesma lógica de sempre: o olho no mercado e a luta para se
manter como principal e mais lucrativa emissora do país, é inegável. Como
também, não dá pra esquecer que esta é (e sempre será) uma emissora que, como
todas, "é habitada pelo poder do Capital", sintonizada com tudo
contra o que lutamos cotidianamente (inclusive na propagação da homofobia, do
racismo e do machismo), desde seu surgimento, nos anos 1960, sob o patrocínio
da ditadura. E mais: o beijo com décadas de atraso em relação ao mundo em que
vivemos.
Contudo, não
podemos menosprezar a realidade do lado de cá da tela. Aliás, é a que mais
interessa nesta história toda. O beijo, é, sim, uma vitória de todos e todas
que lutam contra a opressão. São estes os verdadeiros protagonistas desta cena.
Foram os LGBT's de verdade que fizeram com que a emissora do nada saudoso
Roberto Marinho tenha se rendido, "reconhecendo" o espaço que os LGBT
estão conquistando, com muita luta, nas ruas.
O beijo de Félix (cuja quase beatificação no processo da novela é um capítulo à parte) e Niko não foi um "presente" da Globo para a comunidade LGBT, nem pode ser visto como um "atestado" antihomofóbico. Pelo contrário. É um beijo que reflete anos de luta.
O beijo de Félix (cuja quase beatificação no processo da novela é um capítulo à parte) e Niko não foi um "presente" da Globo para a comunidade LGBT, nem pode ser visto como um "atestado" antihomofóbico. Pelo contrário. É um beijo que reflete anos de luta.
E merece, sim, ser
saudado aos gritos aqui na vizinhança e, com certeza, em todos os cantos do
país não como uma demonstração de apreço à Globo. Não. Se é verdade que os
atores (que nunca esconderam sua simpatia em viver a cena e a fizeram muito
bem) podem ser parabenizados, nossas homenagens, hoje, devem se voltar aos
milhões de anônimos que seja na luta direta, seja simplesmente resistindo ao
preconceito e à discriminação transformaram o "beijo gay" em uma
"realidade" que nem mesmo a Globo poderia continuar omitindo.
Já disse pra muita gente que, como sou "antigo", ainda me emociono quando vejo um casal LGBT andando de mãos dadas ou demonstrando carinho nas ruas (da mesma forma quando negros e negras expressarem alegremente sua negritude, do cabelos à atitude, ou uma mulher tomando os rumos de sua vida). Muitos de nós, lutamos praticamente a vida inteira pra ver algo assim. Tão normal, tão simples, tão humano. Mas, tão difícil pra quem não se enquadra nos "padrões".
Já disse pra muita gente que, como sou "antigo", ainda me emociono quando vejo um casal LGBT andando de mãos dadas ou demonstrando carinho nas ruas (da mesma forma quando negros e negras expressarem alegremente sua negritude, do cabelos à atitude, ou uma mulher tomando os rumos de sua vida). Muitos de nós, lutamos praticamente a vida inteira pra ver algo assim. Tão normal, tão simples, tão humano. Mas, tão difícil pra quem não se enquadra nos "padrões".
Por isso, ao ver
Mateus Solano e Thiago Fragoso em cena, há pouco, o que meu veio à mente foram
os tantos e tantos que, na vida real, construíram o caminho até uma cena que,
na verdade, deveria já deveria ter ido ao ar há muito tempo e ser tratada
simplesmente como uma "coisa do mundo". Lembrei-me daqueles e
daquelas que, com coragem, enfrentaram e enfrentam o mundo para poder existir e
amar. Lembrei-me dos que foram mortos, como Edson Neres, simplesmente por terem
feito isto.
Lembrei-me dos que
foram expulsos de casa por terem sido "pegos" no ato ou sofreram
punições inomináveis, de Oscar Wilde aos que vestiam o "triângulo
rosa" nos campos nazistas. Lembrei-me dos que nunca puderam sequer se
atrever a beijar alguém, sucumbindo à opressão, vivendo sufocados em seus
armários.
E, principalmente,
lembre-me daqueles que dedicaram suas vidas para que as coisas mudassem. De
Magnus Hirschfeld a Milk, do "Gay Liberation Front" ao SOMOS e de
tantos e tantas outras que vieram antes e depois deles.
Esse foi um beijo
que não nasceu dos "planos" da Globo. Não. Ele brotou dos espaços que
conquistamos com ousados e irreverentes beijaços; ele estalou primeiro nas ruas
tomadas por Paradas e protestos. E por isso mesmo ele tem "importância
histórica". Ele simboliza, em um campo pra lá de complicado como é o da
comunicação de massas, uma vitória daqueles que nunca tiveram medo ou vergonha;
daqueles que nunca se deixaram abater pelo preconceito e a discriminação (as
mesmas que Globo, durante décadas, contribuiu pra enculcar na cabeça das
pessoas -- e, não se iludam, continuará fazendo).
E, claro, foi um
beijo com um "gostinho" todo especial. Teve sabor de "Fora
Feliciano" e todos os homofóbicos de plantão. E, por isso mesmo, pra
encerrar, já que estamos no campo da "ficção", espero que o beijo
tenha um efeito parecido com aqueles dos "contos de fadas": que ajude
a "despertar" os adormecidos e silenciados pela homofobia. Que
fortaleça aqueles que, em suas casas, se sentem sozinhos, "anormais",
infelizes e, muitas vezes, desesperados.
A página do
"primeiro beijo gay da Globo" está virada, mas sabemos que temos
muito mais pelo que lutar. Até o dia em que, inclusive, não seja necessário
festejar um simples beijo como final de campeonato. Mas, simplesmente, como
expressão da vida.
Um beijo.
texto de @Wilson Honório da Silva
Fonte: Facebook PSTU
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